Lorena Bruno: entre fios e camadas do tempo
Linhas, caixas de retalhos, tecidos e o som ritmado da máquina de costura marcando o tempo dos dias. Foi assim, dentro de uma família de costureiras, que a artista têxtil Lorena Bruno cresceu.
Trabalhou como modelo no Brasil e no exterior, mas, entre todas as formas possíveis de expressão, Lorena escolheu os fios. Foi em 2022, enquanto estudava design de interiores e concluía um curso de marcenaria, que algo mais antigo, mais íntimo a encontrou. Ao folhear uma revista e se deparar com uma matéria sobre tapeçarias contemporâneas, sentiu como se uma porta adormecida se abrisse dentro dela. Sem cursos por perto, sem referências consolidadas, mergulhou sozinha nesse caminho.
Comprou os materiais, experimentou, errou, insistiu. E nesse processo silencioso, começou a se reconhecer.
“Ali compreendi que a tapeçaria me oferecia algo que eu buscava há muito tempo: a possibilidade de criar com as mãos, no meu ritmo, com profundidade e autonomia. Os fios me puxaram porque me permitiram construir camadas — de matéria, de sentimento, de memória. E talvez eu sempre tenha procurado isso”, afirma, Lorena.
No início, seu olhar era técnico. Queria entender como o tufting funcionava, como os fios respondiam, como o gesto obedecia. Mas logo percebeu que existia algo além do procedimento. Cada ponto começava a dizer. E o que era ferramenta virou linguagem. O entrelaçar, um modo de pensar. Talvez porque ali exista uma poesia silenciosa: cores que se encontram, texturas que convidam ao toque, a maciez da lã sobre a pele, o gesto de conectar o que estava separado.
O tempo, em seu trabalho, não é inimigo. É matéria. Lorena costuma dizer que cada ponto é um tempo encarnado. Enquanto tece, o mundo desacelera. O corpo impõe seu ritmo. Não há atalhos possíveis: o tempo da mão não responde às urgências do mundo. E talvez seja exatamente por isso que suas obras carregam essa sensação de permanência, de presença, do que costuma passar rápido demais dentro de nós.
Nem todos os dias são iguais. Há dias de fluxo, em que o gesto corre sem esforço. E há dias em que a inquietação pede pausa. Lorena aprendeu a respeitar esses intervalos. Entende que a obra também se constrói no silêncio, na distância, na suspensão. Às vezes ela conduz. Às vezes a tapeçaria pede: “agora não”.
Seu ateliê é um território de recolhimento. Trabalhar em casa, perto dos filhos, em silêncio, foi uma escolha importante para manter o foco no seu processo. Lorena não busca desacelerar o mundo, mas enquanto cria, precisa que ele não a atravesse. O som das coisas, a presença em excesso, tudo isso interfere em um momento que é profundamente interno. Tecendo, ela encontra um lugar em que pode, simplesmente, estar.
Se no início suas obras nasciam das paisagens, hoje elas brotam do que carrega por dentro. Um período de ruptura, de perda e solidão, fez seu olhar virar-se para o interior. Não como fuga, mas como tentativa honesta de compreender.
O que a move é o afeto em sua forma mais essencial: o amor. Pelo mundo, por si, pelo outro, pelo detalhe. Tudo aquilo que ela sente, encontra caminho nos fios. E há também algo do feminino que permeia esse gesto: a paciência, o cuidar do processo, a força silenciosa. Não uma feminilidade frágil, mas potente, autônoma, livre.
Em sua pesquisa, Lorena transita por fibras naturais, materiais sintéticos, técnicas diversas: tufting, ponto russo, tear, bordado, feltragem, até cerâmica (oba!). Cada material abre uma possibilidade. Algumas fibras obedecem, outras resistem. Juta, sisal, palha — rústicas, duras, exigem força e adaptação. E é nessa resistência que ela encontra beleza.
Para Lorena, a técnica jamais pode engessar a intuição. O gesto precisa ser livre. Ela não busca a perfeição; senta diante da obra e permite que ela se revele. Confia no que sente e deixa que a intuição conduza enquanto a técnica sustenta o caminho.
Uma tapeçaria fica pronta quando encontra seu próprio contorno. Quando já não pede mais nada. A matéria mostra o limite. Depois vem o acabamento — aparar, ajustar, cortar. Mas o instante em que ela se fecha acontece antes, quando a artista olha e não sente falta.
Ver seu trabalho circular em espaços como a CasaCor e exposições internacionais ainda surpreende — mas ela vem aprendendo a reconhecer suas conquistas. Não como ponto final, mas como parte de um percurso. Um percurso que, em pouco mais de três anos, já carrega densidade, consistência e verdade.
Não à toa, ela está expondo obras recentes e inéditas no Museu Fama, na cidade de Itu/SP. A exposição Nada em Mim é Superfície, conta com curadoria de Sandro Ka. A proposta estabelece diálogos com a vocação do Fama, situado na antiga sede da Companhia Fiação e Tecelagem São Pedro, indústria têxtil de relevância nacional e, atualmente, um dos maiores museus da América Latina, com acervo dedicado à arte brasileira moderna e contemporânea.
A exposição vai até o dia 25 de janeiro de 2026 e eu já esto louca para ir :)
E para onde ela caminha agora? Para mais profundidade, mais diálogo com o mundo. Lorena deseja que sua obra atravesse fronteiras — geográficas, culturais, sensíveis — sem perder a essência do que a move. E escolhe permanecer nesse lugar bonito de quem não quer dominar tudo, mas quer continuar aprendendo.
No fim, talvez o maior ensino seja esse: tecendo, ela entendeu que é capaz. Capaz de criar, reinventar e de se conectar com o outro através daquilo que nasce de suas mãos.